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5º EPISÓDIO - IBERÊ CARVALHO

SOBRE IBERÊ CARVALHO

Iberê Carvalho, 47 anos, é diretor, roteirista e produtor. Estudou Antropologia na UnB, Jornalismo na Católica e cursou uma Especialização em Direção Cinematográfica pela Universidade San Pablo em Madrid. Também integrou o júri principal de longas-metragens nos Festivais de Brasília, Gramado, Punta Del Leste e Barcelona. Além da trajetória no cinema, foi premiado como diretor publicitário. Dirigiu os filmes Maria (2022), Palco de Luta (2022), O Homem Cordial (2019), Heróis do Cuidado (2018), O Último Cine Drive-in (2015), Maria Lenk - Essência do Espírito Olímpico (2012), Procura-se (2010), Para Pedir Perdão (2009), Entre Cores e Navalhas (2009), Suicídio Cidadão (2003), Desespero (2002) e Cela de Aula (2001).

https://www.instagram.com/iberecarvalho/

 

https://www.iberecarvalho.com/ 

INFORMAÇÕES

Este episódio foi gravado em 30/08/2024.

 

FICHA TÉCNICA

Realização e Produção: Respiro Filmes.
Roteiro, Pesquisa e Apresentação: Júlia Rios e Alan Rios.
Direção, Captação de Áudio, Edição e Mixagem de Som: Luiza Chagas.
Ideia Original e Produção: Heloísa Schons.
Produção Executiva: Bruna Lopes e Arthur Lima da Iroko Projetos.
Captação de Imagem: Romulo Aires da Ada Audiovisual.
Trilha: Pratanes.
Agradecimentos especiais: Cine Brasília e Brasília Film Comission.
Supervisão Artística: Júlia Rios e Luiza Chagas.
Edição de Cortes: Pupila Audiovisual e Fernanda Coutinho.
Gestão de Redes Sociais: Babi Pinheiro.
Transcrição e Legendagem dos Episódios: Vini Moreira.
Criação de Identidade Visual e Criação da Logo: Rodrigo Camargos.
Ilustração do Copo da Temporada: Daniel Freitas.

Este projeto foi realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal. 

TRANSCRIÇÃO DO EPSÓDIO

Júlia Rios: Antes da gente chamar nosso convidado, gostaríamos de te apresentar a locação de hoje. Nossa gravação foi no Cine Brasília, a casa do Festival de Cinema de Brasília, que é um local muito presente na trajetória de direção do nosso entrevistado. Bora conhecer nosso convidado.  

[Música Instrumental]

 

Alan Rios: Oi, gente. Este é o Podcast Respiro Filmes, um podcast sobre cineastas do Distrito Federal. Estamos no Spotify, Deezer e também no YouTube. Eu sou Alan Rios.

 

Júlia Rios: Eu sou a Júlia Rios.

 

Alan Rios: E essa é a temporada de direção. E hoje, a gente tem o prazer de receber Iberê Carvalho. Iberê, muito obrigado por estar aqui com a gente.  

 

Iberê Carvalho: Eu que agradeço o convite. É uma honra estar aqui nessa seleção de seis só, né? Que vocês vão fazer nessa temporada. Ter sido convidado é uma honra.  

 

Alan Rios: Maravilha. Vamos falar um pouco da sua biografia antes de começar, né, Júlia?  

 

Júlia Rios: Isso. A gente tem aqui a sua biografia mais técnica, vou ler aqui. Então vamos lá. Iberê Carvalho, 47 anos, é diretor, roteirista e produtor. Estudou Antropologia na UnB (Universidade de Brasília), Jornalismo na Católica e cursou uma especialização em direção cinematográfica pela Universidade San Pablo em Madrid.

 

Alan Rios: Isso, e também integrou o júri principal de longas-metragens nos festivais de Brasília, Gramado, Punta del Este e Barcelona.  

 

Júlia Rios: E, além de ter essa trajetória como diretor cinematográfico, também foi um premiado diretor publicitário.

 

Alan Rios: É sócio da produtora Momento Filmes. Iberê, a gente fez um resumo aqui, bem resumido mesmo, da sua trajetória profissional. E, pessoalmente, quem é Iberê Carvalho?  

 

Iberê Carvalho: (risos) Vamos lá, né? Então, eu sou o quarto de cinco filhos. Meu pai é mineiro, minha mãe é paulista. Eles se conheceram aqui na UnB, estudando na UnB, meu pai fazia Arquitetura e minha mãe Serviço Social. Eu cresci nessa cidade, morei a vida inteira ali, Asa Norte, Lago Norte, Núcleo Bandeirante, conheço Brasília inteira. E minha paixão por cinema começou bem novinho. Tem uns vídeos lá em casa que eu, com 15 anos, eu peguei hepatite e eu não podia brincar, não podia sair, não podia me mover muito, porque hepatite você tem que ficar mais prostrado. E eu ganhei uma câmera VHS e comecei a brincar de fazer stop motion com os meus bonecos e os bonecos da minha irmã. Eu acho que ali começou o realizar cinematográfico e de pensar a magia do cinema, de transformar aqueles bonecos inanimados e dar a animação para eles e fazer eles se mexerem. Enfim, é difícil responder essa pergunta "Quem é Iberê Carvalho?". Não faço a menor ideia. (risos)

 

Alan Rios: Cada vez, você descobre mais.  

 

Júlia Rios: E profissionalmente, o que você gosta mais de falar sobre o cineasta Iberê Carvalho?  

 

Iberê Carvalho: Bom, é sempre uma descoberta. Apesar de já ter 20 anos, pouco mais de 20 anos trabalhando com cinema, eu não sei se eu consigo me definir assim qual é a minha principal característica, eu deixo isso para os outros, para quem assiste, para os críticos, para quem assiste e consegue identificar uma semelhança nos meus projetos. Mas eu procuro fazer um cinema que pense o Brasil, que pense o mundo que eu vivo e, ao mesmo tempo, que seja, de alguma forma, entretido assim, que tenha comunicação com o público. Essa preocupação sempre me perseguiu de fazer um cinema que as pessoas se envolvam do início ao fim do filme, se envolvam emocionalmente, não só racionalmente. Porque o cinema que me comove, que me faz sair da sala de cinema tocado, é aquele que me emociona. Muitas vezes, eu vejo um filme super inteligente, mas muito racional. Aquilo não me toca. Eu acho que existem outras formas de comunicação, como livro, como outras formas de comunicação que são mais potentes para tocar racionalmente. Eu acho que o cinema é incrivelmente potente para tocar emocionalmente, então, eu tento fazer o cinema que me emociona também.  

 

Alan Rios: Isso é bacana. A gente falou aqui na sua biografia que você estudou Antropologia, você falou da escola da sua mãe que é formada em Serviço Social. Isso dialoga também com o cinema que você faz?  

 

Iberê Carvalho: Com certeza, a educação que a gente teve lá em casa, nós cinco, cinco filhos, ela sempre foi uma educação muito política. Uma educação que a gente sempre teve consciência de que tudo é política. Eu vejo algumas pessoas que falam: “Ah, eu sou apolítico”, não existe isso. O ser humano, por definição, é um ser político. Isso que nos define, a partir do que a gente começa a viver em sociedade e formar cidades e formar coletivos, passa a existir a política. O problema é que, hoje em dia, as pessoas interpretam a palavra “política” muito ligadas ao poder, ao poder político, ao cargo político. Até porque a gente está em Brasília, também, isso é muito presente, essa visão. Mas tudo o que a gente faz é política, a definição dos seis personagens que vocês vão entrevistar é uma definição política, falar de cinema é uma definição política, fazer cinema é uma escolha política. Então, isso é uma consciência que eu acho que meus pais me passaram e isso acabou influenciando para eu fazer Antropologia, isso acabou influenciando para eu fazer Jornalismo, isso acabou influenciando para eu fazer Cinema. E isso tudo foi se aprofundando, essa consciência foi ficando um pouco mais complexa, mas com certeza tem a ver com a formação dada em casa.  

 

Alan Rios: Maravilha. E você falou um pouco sobre essa questão geral. O que te inspira? Quais são suas referências no cinema? O que você consome, o que você vê e fala: “Nossa, isso aqui é muito legal, isso me traz muita paixão.”? Você falou um pouco sobre gostar de ver um filme que não é aquele filme que é muito racional, mas é aquele filme que te pega, né? O que te inspira hoje?  

 

Iberê Carvalho: Pois é, é difícil responder essa pergunta porque eu sou muito volátil, cada hora eu tô gostando de uma coisa e tal. Pra mim não tem um gênero específico que me atrai mais. Eu gosto de cinema bom, se for um bom filme de terror, eu vou gostar, na minha opinião, se for um bom filme de drama, eu vou gostar, se for um bom filme de comédia, enfim, não tem um gênero específico, sabe? Tem alguns cineastas que me inspiram realmente, por exemplo, que eu sempre falo é o Ken Loach. Ken Loach, para mim, é um cineasta que me toca muito, porque ele consegue falar de questões sociais de forma muito verdadeira, muito tocante e sem cair no sensacionalismo. Então, tem muita gente boa aqui no Brasil. Karim Aïnouz é um cineasta muito competente que eu gosto muito. A Laís Bodanzky também é alguém que me inspira. Enfim, é sempre difícil, porque é aquilo que depois a gente vai acabar a entrevista, eu vou estar indo trabalhar e eu vou pensar “Hm, devia ter comentado fulano”. Então, se ao longo da conversa aqui eu lembrar de outro nome, eu comento. (risadas)

 

Alan Rios: Tranquilo.

 

Júlia Rios: Se você lembrar de outro nome, você comenta no comentário.

 

Alan Rios: (risadas) Vai lá no YouTube e comenta: “Eu falei no lugar e no momento tal aqui, mas eu lembrei de coisa tal”.  

 

Júlia Rios: Iberê, pensando nisso também das inspirações, mas falando do seu estilo mais pessoal, a gente queria saber como é a sua concepção estética de um filme? Como é esse processo de conceber esteticamente da decupagem também.  

 

Iberê Carvalho: Você diz de conceber esteticamente de uma vez o roteiro pronto já e a gente vai partir para fazer? Como é que começa esse trabalho?  

 

Júlia Rios: É isso. Mas se você quiser comentar desde o começo do roteiro.

 

Iberê Carvalho: De fato eu estou aqui mais como diretor e menos como roteirista, né? Do processo de direção, eu procuro realmente tentar não conceber muita coisa antes do trabalho realmente começar, sabe? Eu me coloco muito aberto de que para que lado a gente pode ir. Porque eu acredito no processo de troca a partir do momento que começam a entrar outras peças dessa engrenagem toda, porque cinema é um fazer coletivo mesmo, e também por não saber mesmo. Quando a gente começa, você tem uma ideia, o roteiro já te dá um mais ou menos um caminho, obviamente, mas eu não tenho todas as respostas. Não tenho mesmo todas as respostas de como vai ser. Às vezes, uma pergunta da equipe me faz procurar uma resposta, porque eu preciso dar, como diretor, eu preciso ter respostas em algum momento, mas, muitas vezes, a pergunta é feita e eu falo: “Nossa, caramba, não tinha pensado nisso”. E é fundamental essas perguntas porque você vai se provocando a encontrar resposta. Eu tento buscar sempre um conceito unificador, uma palavra que unifique todo o processo. Por exemplo, já entrando um pouco nos filmes, no “O Último Cine Drive-In”, meu primeiro longa. Ali era claramente uma relação de paternidade. O que guiava o projeto? Não era falar de cinema, não era falar do espaço em si que é tão importante e que dá até nome ao projeto que é o Drive-In. Era falar de paternidade. E tinha outra palavra que nos guiava sempre que era "simplicidade", de forma simples. A gente queria buscar a simplicidade a todo custo. Então, sempre que me vinham com uma pergunta sobre o projeto “Você prefere assim ou assado?”, “A gente vai fazer assim ou assado?”. Eu perguntava: “O que é mais simples?”, “Qual o caminho mais direto para contar essa história? Para responder a isso que você me perguntou?”. Isso tem a ver com uma relação pai e filho, como eu posso relacionar isso numa relação pai e filho? Então, isso guiava tudo, desde figurino até outras questões. “Ah, você prefere o personagem do Marlombrando”, que é o filho, “com essa roupa ou com essa?” Eu olhava e falava assim: “Essa aqui ele vai ficar um pouco mais jovem, ele vai ficar muito mais jovial, mais filho. Então, vamos nessa”. Porque tem a ver com esse conceito unificador que vinha lá de cima, que era sobre paternidade. Então, até em algumas oficinas que eu dou sobre roteiro, sobre direção, eu falo sobre encontrar esse tema que é o essencial, que é o principal, que é o que motivou a fazer o filme. 

 

Júlia Rios: Pensando no roteiro, que você comentou, quando você vai fazer o roteiro você também se guia por esse elemento unificador? É um processo comum seu para tudo, né?  

 

Iberê Carvalho: Desde o roteiro, isso parte lá de trás, porque cada cena tem uma função muito importante dentro de um roteiro. Se ela não tem uma função importante, provavelmente ela não deveria estar lá e, provavelmente, ela vai cair na montagem. E a importância dessa cena tem que estar em função de algo. Em função do que? Geralmente está ligado a esse tema unificador, esse conceito que está por trás e que é o que te motivou a fazer o filme, que te motivou a encarar um projeto que pode durar cinco, seis, às vezes, dez anos da sua vida.  

 

Júlia Rios: E na hora de decupar, você tem algum processo comum? Talvez um método ou é espontâneo para cada filme?  

 

Iberê Carvalho: Cada projeto, eu acho que pede um tipo de narrativa visual e que vai determinar a sua decupagem ali de câmera, né? No caso. Mas eu acho que cada diretor, cada diretora tem seu método. E eu acho que não tem jeito certo ou jeito errado. Tem resultados que dão certo, resultados que dão errado. De vários métodos, você pode alcançar um bom resultado. É isso que eu tô querendo dizer. O meu, primeiro entender qual é o conflito da cena. Ler o roteiro, ler a cena, entender o que está acontecendo ali, qual é a essência daquela cena. E aí você pode buscar um conceito unificador para aquela cena também. Tem um guarda chuva do filme todo, mas, aquela cena, às vezes, dentro de uma coisa maior, dentro de um conceito unificador, por exemplo, confiança, aquela cena pode estar falando sobre traição. O conceito unificador daquela cena pode ser traição, por exemplo. Então, como filmar uma traição? O que vai ajudar? Que enquadramentos podem ajudar a trazer esse tema mais latente, mais evidente para quem está assistindo? Então, eu primeiro faço esse trabalho cena a cena. É como se eu estivesse dando um nome para cada cena e aí, depois, eu começo a decupagem. Agora essa decupagem ela, muitas vezes, muda depois que começam os ensaios com o elenco, aí depois o elenco propõe algumas coisas, eu percebo outras coisas, eu assisto aquela leitura. Às vezes, é só uma leitura de mesa, às vezes, é um ensaio. Eu percebo que aquela minha decupagem não está valorizando certos olhares. Eu tinha decupado num plano aberto ou num plano americano, aí eu percebo que tem uma troca de olhares ali rica, tem que ter um close. Então, isso vai mudando. E, depois, na conversa com o diretor de fotografia e com a direção de arte, com a direção de fotografia, porque pode ser diretora, enfim. Na conversa com a direção de fotografia e a direção de arte, a gente passa isso a limpo e aí, às vezes, pode ter alguma afinação e algo mais. Eu gosto de chegar no set muito preparado, muito sabendo como vou filmar cada cena, geralmente não chego a fazer storyboard, no meu próximo projeto pretendo fazer, mas, geralmente, tem que ter mais grana, mais estrutura de pré e tal para fazer um storyboard que realmente funcione porque eu desenho mal pra caramba. Mas eu chego com uma planta baixa, tem uma planta baixa do cenário e eu posiciono as câmeras para que todo mundo saiba já para que lado a gente vai apontar e poder montar todo o circo que envolve uma filmagem. 

 

Júlia Rios: Iberê, agora pensando nas suas relações com a equipe, a gente queria saber sobre um ponto muito importante da direção também, que é o elenco. Aí queria te perguntar como que você escolhe o seu elenco e a gente viu também já você falando que, às vezes, você gosta de chamar a pessoa para tomar um café, para conhecer melhor como é isso para você?  

 

Iberê Carvalho: Então, todos os meus curtas e “O Último Cine Drive-In”, eu fiz aqui em Brasília, filmei em Brasília. Então, eu já tinha um grupo de pessoas, amigos, colegas que são atores e atrizes e que, por mais que possa parecer uma panelinha e tal, é uma relação de confiança. É uma construção que começa lá atrás, está tomando uma cerveja no bar e falar: “Ah, tive uma ideia”, “Pô, comecei a escrever”, “Escrevi o roteiro”, “Pô, ganhei o edital”, aí quando você vai filmar, você quer formar aquela pessoa, porque ela já faz parte do projeto.  Então, muitos desses atores e atrizes foi um convite muito natural. Foi um convite muito orgânico, de serem meus amigos, meus colegas e a gente estar fazendo, praticamente, fazendo junto o projeto, desde o início, com algumas exceções, claro. Aí quando fui fazer “O Último Cine Drive-In”, meu primeiro longa, eu fui atrás de um ator como Othon Bastos, que eu só tinha veneração, não é nem admiração, veneração por ele. E nem imaginava que ele iria topar, mas a gente arriscou. Quem seria o guardião do último Cine Drive-In do Brasil? Quem seria essa pessoa que personifica a história do cinema brasileiro todinha? Othon Bastos. Será? Vamos atrás. Aí fomos atrás. E a primeira conversa que eu tive com Othon, ele me ligou, eu nervosíssimo, né? Aquela voz do Othon Bastos falando no telefone. Foi uma conversa de uns 40 minutos sobre o roteiro e ele ali, naqueles 40 minutos, eu senti a diferença que seria filmar com um ator daquele quilate, assim, porque em 40 minutos ele falou coisas do roteiro que nunca ninguém tinha falado. É uma visão de cinema e uma generosidade para estar conversando com aquele cineasta novo e inexperiente. Estava fazendo seu primeiro longa, só tinha feito curtas até então e tal. Foi muito legal, assim, e foi uma experiência incrível filmar com ele. E aí veio a Rita Assemany, que é uma outra atriz que eu não conhecia, mas que também eu marquei uma conversa. Então, essa coisa do café que você diz, é porque o teste engana muito. O teste é muito cruel, não só pros atores e atrizes, o teste também é cruel para a direção. A gente fica muito perdido a partir de um teste feito, mesmo self teste, é pouco, é muito pouco. E é tão cruel porque os atores estão tão ansiosos para fazer, para pegar as oportunidades, as raras oportunidades que aparecem, que, às vezes, vai para o teste tão nervoso ou nervosa que não está ali. E aí você percebe que a pessoa não está ali. Aí dá agonia de tentar acalmar, de tentar trazer. Mas a pessoa não está ali e você não conhece ela. Então, nesse momento, eu percebo essas coisas, aí eu marco um café. E aí, nesse café, eu não quero falar só de cinema, mas eu quero conhecer a pessoa. Quero conhecer a pessoa, quero falar de mim, quero que ela fale dela e conhecer a pessoa, porque eu vou ficar ali dez meses envolvido com essa pessoa e a gente tem que, no mínimo, se respeitar e se admirar, né? Então, esse é o processo que eu faço. Eu acho que não é um processo que cabe para qualquer projeto. Eu estou falando de cinema independente, filmado fora do eixo ou, ainda que tenha sido filmado em São Paulo o “O Homem Cordial”, mas filmado no modelo de cinema independente. Certamente, se eu tivesse fazendo uma série para um grande streaming, não passaria só por mim a decisão de quem vai fazer o filme ou não. E aí, nesse sentido, num cinema independente também, aí eu levo, às vezes, a discussão para as pessoas de confiança, produção executiva, produção. Minha irmã, que é Maíra Carvalho, que é diretora de arte que está em todos os meus projetos, a gente conversa muito, eu falo: “Pô, pensei em fulano, pensei em ciclano”. Às vezes, ela me alerta: “Ciclano tem uma pegada meio assim, não sei o quê”, “Ah, é verdade e tal”, “Acho que está faltando um pouco de diversidade nesse elenco e tal”, “Tem certeza que esse personagem tem que ser um homem?”, aí a gente vai discutindo.  

 

Alan Rios: Bacana. E a gente falou um pouco sobre esse diálogo com o elenco do filme, como é que é o seu diálogo com os chefes de departamento?  

 

Iberê Carvalho: Então, existe uma máxima de que cinema é feito por... Cinema é feito por toda equipe, obviamente. Mas existem aí quatro funções que são primordiais na parte criativa, cinco, vai... Daqui a pouquinho vai aumentando. Mas a produção, lógico. Muita gente acha que a produção é só de executar, não é criativa, mas a produção criativa, ela é fundamental num projeto. Você vê que grandes projetos partiram de produtores. Existem produtores no mercado, e Hollywood é muito emblemático nisso, mas existem produtores e produtoras que têm a cara do filme que eles fazem. Por quê? Porque eles são produtores criativos e que interferem na parte criativa do projeto. Direção de arte, a pessoa que faz a direção de arte, ela é responsável por tudo o que vai entrar na frente da câmera, tirando o elenco, tudo o que está na frente da câmera, tirando elenco, é responsabilidade da direção de arte. De pensar a locação, os figurinos, a maquiagem, os objetos, tudo que tá ali na frente, então, é fundamental. Como isso vai ser registrado? Como isso vai virar imagem? É responsabilidade da direção de fotografia. Então, esse departamento também é fundamental. Ter um diálogo muito criativo para a cara do filme, as pessoas vão ver essa imagem. As pessoas não vão ver o set, não vão ver mais nada. Vão ver essa imagem. E a parte do som, que é um pouco mais complexa, porque ela se divide não só no set de filmagem, quer dizer, fotografia também, não só no set, depois na pós, hoje em dia cada vez mais, mas o som que aí passa por captação, edição, mixagem e trilha sonora. Essa parte sonora, aí são vários chefes de equipe dentro de um departamento só. Então, a minha relação é de muita troca, muita troca mesmo. Tem que ter. Na verdade, o meu trabalho é fazer com que eles, esses outros quatro departamentos, trabalhem para o mesmo projeto. Meu trabalho não é dizer o que eles têm que fazer. Meu trabalho não é dizer como eles têm que fazer. Meu trabalho é fazer com que todo mundo vá dentro daquele mesmo conceito unificador que a gente está falando mais para atrás, para que cada um não vá para um lado, porque, senão, a coisa começa a ficar sem sentido, sem sentido mesmo.  

 

Alan Rios: É muito interessante isso que você falou de o seu trabalho não é mandar a pessoa fazer aquilo, porque isso reforça a importância desse diálogo, de você estar conversando constantemente com as pessoas que estão ali fazendo um projeto com você. E dessa importância de saber ouvir, né? Para você, o quão importante é você saber ouvir para você ser um bom diretor?  

 

Iberê Carvalho: Então, saber ouvir não significa ouvir todo mundo.

 

Alan Rios: Exato.

 

Iberê Carvalho: Saber ouvir é também ouvir e falar assim: “Não, isso não”. Tem um exemplo que eu gosto de dar que é o seguinte: Quando um marceneiro vai fazer uma cadeira de madeira, o que define a cadeira, a forma da cadeira é o que ele tira. Ele tem lá um pedaço de madeira. Ele vai tirando, tirando, tirando, tirando, tirando a ponto de deixar uma cadeira. O que a gente conhece como uma cadeira. Então, o trabalho do diretor também é definir o que fica fora, né? Quando a gente vai filmar aqui, a equipe decidiu onde botou as câmeras. Ao definir que botou essa câmera, definiu que tudo aquilo para trás não interessa. Definiu que tudo para lá não interessa (Iberê aponta para um lado), para lá não interessa (Iberê aponta para o outro lado). Se eu estou num quadro mais fechado, definiu que é só eu aqui nesse momento. Então, assim, o trabalho da direção é também falar não. Não no sentido de “não, não vou fazer o que você quer”, não é isso. É “Iberê, você acha que pode ir para esse caminho?” “Não, eu acho que não é esse caminho, acho que é para cá, acho que é para cá, acho que para cá”. E ir direcionando. Eu acho que a metáfora que o diretor é o maestro, que inclusive em italiano, é “regista” que fala, o diretor é “regista”. Eu acho que diretor é “regia”, direção é “regia”, “regista”, que é o mesmo nome que se dá para o maestro de uma orquestra. E eu acho que é isso mesmo. Você tem ali sua orquestra, sua equipe, e você vai conduzindo e tem hora que você tem que fazer: “Não”, “não”, “Você vem”. Então, é um pouco esse trabalho. E aí você tem que conhecer muito bem sua história. Você tem que saber para que lado você está indo nesse conceito unificador, nesse tema central, e você tem que saber o que você não quer fazer, o que você não gosta, o que não funciona. É por isso que o nosso trabalho é “Ação” e, quando a gente fala: “Valeu”, é porque, a maioria das vezes, é:  “Vamos fazer outra”, “vamos fazer outra”. Por quê? Porque não está indo, não estamos chegando, não está acontecendo. É uma responsabilidade enorme você falar: “Valeu, gente, vamos pro próximo”, porque, dificilmente, vai ter tempo. Ainda mais essa coisa da grana que a gente estava falando, não vai ter tempo de voltar pra fazer aquilo ali. E, então, é muito difícil, mas é gostoso. (risadas) 

 

[Música Instrumental]

 

Alan Rios: E agora vamos falar de alguns filmes mais específicos seus, né, Júlia?

 

Júlia Rios: Isso. Então vamos lá. Eu vou falar os filmes que você já fez. Você co-dirigiu o curta “Entre Cores e Navalha” de 2009, dirigiu o curta documental “Maria Lenk - Essência do Espírito Olímpico” de 2012, a série de TV “Distrito Cultural” de 2017, o telefilme “Maria”, de 2022 e o documentário “Palco de Luta” de 2022. Só que a gente queria entrar em outros filmes seus, mais especificamente. E aí, começando lá atrás, na ordem cronológica, a gente vai começar com o “Suicídio Cidadão” de 2003, que é um curta de ficção que está disponível hoje no seu canal do YouTube e foi o seu trabalho de conclusão de curso na Católica. De prêmios, ele ganhou “Melhor Curta” de 16 milímetros no Festival de Brasília e no Festival Luso-Brasileiro de Aracaju pelo Júri Popular. Também ganhou “Melhor Argumento” no Festival Guarnicê de São Luís, no Maranhão, e “Melhor Atriz” na quarta Mostra de Cinema e Vídeo de Brasília.  

 

Alan Rios: Exatamente. Para quem não viu, o que você pode falar de “Suicídio Cidadão”?  

 

Iberê Carvalho: “Suicídio Cidadão” foi o meu primeiro projeto de ficção. Eu estava na faculdade e eu já  trabalhava no mercado de cinema como assistente de produção, produção. Estava começando a fazer assistente de direção, já? Não, acho que ainda não. Ainda não fazia assistente de direção. E eu resolvi fazer meu primeiro filme de ficção. (Iberê gagueja, brincando) Ele está no YouTube. (risos) Estou falando assim porque eu tenho vergonha. Mas se alguém der um Google, vai achar. Foi meu debut (lançamento/estreia) completo em ficção. Eu já tinha feito um filme documentário anterior a esse que se chama “Cela de Aula”, mas é um filme que tenho orgulho de ter feito, que faz parte da minha história, mas, hoje vendo, acho ele muito ingênuo em vários aspectos, mas ousado em outros. E já dá para ver ali essa minha vontade de fazer um cinema político e que tenta refletir o que está acontecendo. Uma coisa interessante desse filme, é que eu aprendi muito nesse dia. Eu tinha feito toda uma decupagem do filme, todinha, estava todo decupado, como eu ia filmar e tal. Só que a gente teve um problema que a gente ia perder a câmera. A câmera era uma câmera de 16 milímetros, uma ATOM 16 milímetros que a gente estava filmando, e ela ia ficar disponível durante os cinco dias. Na verdade, isso mudou e ela ficou disponível só três dias pra gente. Então, aquela decupagem que eu tinha, para fazer em cinco diárias, eu tive que transformar para fazer em três. E aí, nessa hora, eu pensei: “Pô, como é que a gente vai fazer?”. Tinham páginas e páginas do roteiro de um momento em que todos os personagens… o filme todo se passa dentro de um apartamento. A gente tem umas passagens de tempo, dentro de um apartamento, mas tudo acontece nessa sala, nesse apartamento, quase tudo, 90%. E aí, tem um momento que todos os personagens, são seis, se eu não me engano, são cinco personagens. Estão ali discutindo, conversando. E estava tudo muito decupado, fazer aquelas posições de câmera todas ia demorar muito tempo, então, como eu não tinha tempo de câmera, eu tinha que arrasar dez páginas do roteiro em um dia, eu falei assim: “Vamos filmar, vamos botar uma lente mais fechada aqui e vamos fazer a cena toda. E a gente faz a cena toda daqui com essa lente mais fechada.” E fazia a cena toda com a lente fechada. “Agora muda a lente, bota a lente mais aberta possível. Vamos fazer a cena toda de novo com a lente mais aberta, e você, câmera, fica livre para mexer.” Aí depois eu mudava, em três posições de câmera mudando as lentes, eu matei várias páginas de roteiro. Isso na hora, eu achei assim: “Cara, não sei se isso vai funcionar. Acho que só vai ficar uma... Vai ficar muito ruim”. É a melhor parte do filme. É a parte mais elogiada do filme. Muita gente falou que tinha uma mão de direção ali muito forte, muito presente e tal. E, na verdade, foi uma solução para um problema logístico e financeiro e de equipamento. Cada filme é um grande aprendizado. Na verdade, cada filme que a gente faz é uma faculdade de cinema.  

 

Alan Rios: Que bacana. Vamos para 2009?

 

Júlia Rios: Vamos lá. Vamos seguir aqui para o curta “Para Pedir Perdão”, 2009, como o Alan falou, que é um curta de ficção financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura, o FAC, e, atualmente, está disponível no YouTube, no canal da Pavirada Filmes. De prêmios, ele recebeu “Melhor Curta” no Festival Internacional de Cinema de Havana em Cuba, no Festival Raya no Panamá, e no Festival de Cinema de Campo Grande, que também foi “Melhor Curta” pelo Júri Popular. “Melhor Curta” pelo Júri Popular também no Festival de Cinema de Cuiabá. Também recebeu o “Melhor Filme” e “Melhor Ator” no Festival Cine Cultura Viva e “Melhor Roteiro” no Fest Cine Carajás. De festivais, ele também foi selecionado na Mostra Brasília e em outros festivais internacionais, percorrendo a América do Sul e a Europa.  

 

Alan Rios: Como o Iberê definiria o “Para Pedir Perdão”?  

 

Iberê Carvalho: “Para Pedir Perdão” é um filme de um diretor que tinha acabado de estudar cinema na Europa e estava querendo botar todas as ideias num filme só. (risos) Eu acho que é um filme que a direção se sobrepõe ao roteiro e isso, quando acontece, nem sempre é muito bom. O Tarantino faz isso muito bem. A direção dele se sobrepõe ao roteiro, faz isso muito bem. Mas eu não sou o Tarantino, né? Então, o “Para Pedir Perdão”, ele começou como uma adaptação de um conto do Marcelino Freire chamado “Angu de Sangue”. Eu comprei os direitos de adaptação desse conto e comecei a adaptar e botar nos editais. Foram mais de quatro anos não ganhando edital nenhum. E você colocou aí que ele teve financiamento do FAC (Fundo de Apoio à Cultura). Realmente, ele teve lançamento do FAC só para sua finalização. Eu filmei tudo com recursos ganhados fazendo publicidade, o que me custou uma pequena fortuninha, que, com certeza, na época dava para ter dado entrada em um apartamento, e eu fiz um curta. E, assim, “Para Pedir Perdão”, ele foi mudando, o roteiro, passou tanto tempo, desde quando eu comprei os direitos do conto do Marcelino, até eu filmar, que ele foi mudando muito, foi mudando bastante. Tanto que depois eu botei “inspirado” só. E o Marcelino assistiu e não gostou, porque ele falou: “Não tem nada do meu conto aí”. Mas tem ali a essência, tem aquele conceito unificador, tá lá ainda. E ele é um filme que o prêmio de Havana foi muito importante. O Festival de Havana é um dos principais festivais da América Latina, se não for o mais. É um festival incrível. Me fez conhecer o festival. Fui para lá. O filme passou, se eu não me engano... Agora eu tô confundindo porque o “Entre Cores e Navalhas” também foi para lá, mas um dos dois passou antes do “Ensaio sobre a Cegueira”, do Fernando Meirelles, e a sala lotada, lotado o cinema grande, com 3.000 pessoas. Foi incrível. E a reação do público foi muito boa. Então, eu diria que foi o meu primeiro filme 35 milímetros. Isso hoje não faz muito sentido, mas, naquela época, você filmar 16 milímetros ou filmar em 35 milímetros era um rito de passagem. Os festivais tinham categorias diferentes. Existia a categoria 16 milímetros. Começou a ter categoria vídeo, categoria 16mm. A categoria 35 mm era a categoria principal. Era mais caro filmar em película 35. Obviamente, a câmera mais pesada, exigia profissionais com mais experiência, então, obviamente mais caros. Então foi um debut (lançamento/estreia), digamos assim. Eu tinha acabado de voltar da Espanha, onde eu fui estudar direção e estava querendo mostrar meu trabalho. Muito ansioso por mostrar, experimentar várias coisas que eu tinha visto, várias referências que eu tinha. Então, foi outra faculdade que eu fiz foi o “Para Pedir Perdão”, essa um pouco mais cara do que o “Suicídio Cidadão”. (risadas)

 

Alan Rios: Eu vou puxar esse gancho que você falou de ser um pouco mais caro, porque, no começo da resposta, você falou pra gente sobre esse financiamento só para finalização. Você tirou muito dinheiro do seu bolso, falou até que dava para dar entrada no apartamento, mas eu queria que a gente comentasse sobre a importância das políticas públicas para o audiovisual, tanto aqui em Brasília, como no Brasil como um todo. Queria que você falasse um pouco disso como uma ferramenta de incentivo a essa arte hoje, aqui no Brasil, aqui em Brasília.

 

Iberê Carvalho: Então, eu não sou uma pessoa de família rica, sabe? Eu sei que eu sou privilegiado pra caramba, comparado com a realidade do Brasil, mas sou filho de classe média de Brasília. Funcionários públicos, pai, mãe, funcionário público e tal. Então, quando eu falo que foi uma pequena fortuna ali porque eu estava fazendo muita publicidade e resolvi bancar, mas é fundamental que tenha, eu não falo isso com orgulho, eu queria que a gente tivesse tido financiamento desde o início. Por quê? Não para eu poder ter dado entrada no apartamento, não é isso. Mas é porque eu acho que eu poderia ter pago melhor as pessoas que fizeram o filme. Eu poderia ter tido outra estrutura, não só pagar melhor as pessoas, mas estrutura de alimentação, dar mais conforto pras pessoas trabalharem, porque isso não é um hobby, isso não é um luxo, isso não é um fetiche. Isso é uma profissão. E é fundamental, o incentivo e o fomento, não é nem incentivo, o fomento mesmo do setor. E isso existe em vários países. Existe nos países mais neoliberais e capitalistas. Existe uma inversão de recurso público em produção audiovisual e de cinema muito pesada. Estados Unidos então, Nossa Senhora. Então, a gente só vai conseguir ter um cinema forte, assim, né? E a gente vê que, quando a gente tem um investimento regular e robusto, aí a gente pode discutir se poderia ser mais ou não, mas, durante muitos anos, o Brasil foi o país da América Latina com o maior investimento. Até hoje acho que é o país com maior investimento em fomento. E teve um momento em que a gente teve uma regularidade e depois da criação da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e a criação do Fundo Setorial do Audiovisual e tal, a gente começou a emplacar um monte de filme em Berlim, depois filme em Cannes, depois filme em Veneza, os nossos cinemas estavam lotados, as produções do Paulo Gustavo levando dez milhões de pessoas pro cinema. O retorno vem e vem rápido. Não é demorado pra gente mostrar qualidade. O brasileiro gosta de cinema brasileiro. Se você for ver os números por relação por sala, porque às vezes é cruel, né? A gente vê as bilheterias, mas em quantas salas estavam? O número de espectador por sala de cinema brasileiro, ele é bom, ele não é ruim. O problema é que a gente não consegue alcançar muitas salas, porque você precisa de recurso para distribuir. E, às vezes, as salas estão ocupadas também por um mercado predatório que vem de fora. Então, eu costumo dizer o seguinte, cara, existem vários bens que a gente vende enquanto país, que vários países podem produzir. Sei lá, soja, açúcar, feijão, aço, tudo isso vários países podem produzir, arroz, vários países podem exportar. Agora, a cultura brasileira, só o Brasil pode exportar. Ninguém mais vai conseguir exportar a cultura brasileira. É um equívoco achar que a gente tá gastando dinheiro. Quando você investe, volta, né? Tem um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que a cada real investido na cultura, no cinema, se eu não me engano, são 5 reais que voltam para economia em forma de impostos, em forma de geração de renda. E é um investimento que você bota num longa, rapidamente aquele dinheiro vai embora. São milhões gastos com alimentação, transporte, limpeza, figurino. Você emprega muita gente direta e indiretamente. Então, é um dinheiro que volta rapidamente para o mercado, volta rapidamente para a sociedade. Ele não fica acumulado. É muita gente que faz o filme. Todo mundo que já foi no cinema já ficou impressionado com a quantidade de nomezinhos que vai subindo ali (nos créditos finais), aquelas pessoas todas trabalharam durante um período longo, não é um dia, dois dias, são meses. Por isso que cinema é caro. Então, eu acho que a visão, tem essa visão de que: “ah, nós estamos gastando dinheiro”, não, não está gastando, a gente está investindo e é fundamental e um país sério, que não tem uma cinematografia forte, não é um país sério.

 

Júlia Rios: Beleza, Iberê, vamos seguir aqui agora para o “Procura-se” de 2010, que é um curta de ficção financiado pelo edital Curta Criança do Ministério da Cultura. Atualmente, ele está disponível no YouTube, no canal da Pavirada Filmes, e conta com quase dois milhões de visualizações. De prêmios, recebeu “Melhor Curta” pelo Júri Infantil e pelo Júri Oficial no festival Prix-Jeunesse Ibero-americano, “Melhor Filme” pelo Júri Popular e Oficial no Festival Audiovisual Mercosul. Também recebeu Menção Honrosa no Festival Ibero-americano de Cinema de Sergipe e também passou em pelo menos outros sete festivais de cinema infantil.

 

Alan Rios: Iberê, “Procura-se”, o que você pode falar pra gente? Como que você pensou ele conceitualmente?

 

Iberê Carvalho: Sabia que eu acho que o "Procura-se" é o meu filme de maior sucesso? Não só pelos dois milhões de visualizações no YouTube, mas porque, até hoje, ele é de 2009 e, até hoje, eu vendo ele. Todo mês surge uma Mostra, uma exibição especial, alguém querendo exibir o “Procura-se” mesmo ele estando disponível no YouTube e tal. O “Procura-se” foi um projeto que, inicialmente, ele era um argumento que não era para crianças, a história estaria focado mais nos pais. No drama de duas famílias, uma família mais pobre, outra família mais rica, onde um pai teria dado para o filho um cachorro que ele encontrou e, depois, ele descobre que esse cachorro tem dono. Então, esse dilema ético de saber que aquele presente tem dono e, ao mesmo tempo, de ter que tirar do filho um presente que ele já deu e, ao mesmo tempo, o dilema ético na outra casa, de como mensurar, quantificar financeiramente o amor por um animal e tal. A ideia era essa, porque uma vez eu estava saindo de casa, morava no Lago Norte, e estava indo para o UnB, fazia Antropologia na época, e aí eu vi uma faixa "PROCURA-SE" e uma recompensa bem alta, 5.000 reais, uma coisa assim, que, na época, era um dinheiro, mais que hoje. E isso ficou na minha cabeça. Essa ideia veio na minha cabeça. Aí veio o edital Curta Criança. Olha a importância do fomento, né? Surgiu a oportunidade pelo Ministério da Cultura e a minha irmã, Maíra, falou: “Por que você não adapta aquela história do cachorro para criança? E dá o protagonismo para as crianças e não para os pais?” Eu falei “Ah, boa ideia”. Cara, esse roteiro eu escrevi em uma sentada, numa tarde. Estava meio perto o edital. Foi numa sentada, um roteiro de 15 páginas, eu já tinha mais ou menos a estrutura na minha cabeça e escrevi, mandei e a gente ganhou. É um projeto que eu tenho muito carinho e que acho que é o meu filme de maior sucesso até hoje.

 

Alan Rios: Que legal!

 

Júlia Rios: Você comentou do trabalho com as crianças e a gente sabe que é muito importante ter um cuidado a mais. Queria que você comentasse quais são as estratégias para dirigir o elenco infantil nos ensaios, no set também? Que cuidados você tem que ter?

 

Iberê Carvalho: Bom, acho que tem que ter um cuidado muito especial na escolha dessas pessoas. Você tem que ter um cuidado, porque é um processo muito intenso e, depois, é comum essas crianças se sentirem um pouco abandonadas. Acho que todo mundo que já fez um filme sabe que, até nós, adultos, a gente sente um certo banzo no final, uma coisa de fora do ninho, você fica: “Eita, acabou aquilo tudo?”. É muito intenso, uma relação muito intensa e uma criança precisa de um cuidado especial nessa escolha também. É muito importante que os pais estejam muito conscientes do processo, do projeto, porque é muito intenso, então, vai exigir muito da criança, vai exigir muito da família como um todo, então é importante os pais estarem muito cientes do projeto, porque, senão, pode acontecer alguns desconfortos durante. No “Procura-se”, a gente fez um trabalho muito legal. Eu trabalhei com a preparação de atores da Fernanda Rocha, Fernanda Rocha é atriz também. A Fernanda Rocha fez a Paula do “O Último Cine Drive-In”, que ganhou um monte de prêmio, quase todos os prêmios do “O Último Cine Drive-In” foi ela que conquistou. E, até hoje, ela é uma grande preparadora de elenco e uma preparadora de elenco especializada em criança também. Não só para criança, mas ela tem um trabalho especial com crianças e começou aí, no “Procura-se”, o trabalho dela. Eu e ela, a gente fez um casting e a gente selecionou acho que 15 crianças, essas 15 crianças, a gente tinha mais ou menos ideia quem ia fazer o quê, mas não estava batido o martelo. E a gente começou a fazer uma preparação. Um pouco espelhado no que eu tinha lido e ouvido falar e visto do trabalho que foi feito em “Cidade de Deus”, que reuniu um grupo que fez uma oficina. Então, nessa oficina com as crianças, a gente começou a estabelecer um linguajar próprio. Um dos objetivos da oficina era estabelecer confiança com a gente, porque a gente sabia que algum momento a gente ia precisar ser mais rígido, dar uma “bronca”, por exemplo, sem perder a criança. Porque, se eu sou criança, e eu levo uma bronca de um estranho, não quero nem olhar na cara dele. (risos) Vou pro meu pai falar: “Aquele cara é chato, me deu uma bronca”. Eu preciso estabelecer confiança, mas se já é uma relação ali de “tio”, “tia”, aquele tio de escola. Ele sabe que aquela bronca, aquela pequena bronca, quando eu falo bronca: “Não, isso não, isso agora não, isso não pode, não é hora disso. Não vamos fazer isso agora, tal”. Eu não posso perder aquela criança pra sempre, né? Porque preciso que ela continue no projeto, que ela continue querendo fazer o filme e tudo mais. Então, era muito pra criar essa relação de confiança e também para estabelecer um vocabulário comum. Então, por exemplo, a gente brincava de pique-pega e o começo era “ação” e o para era “corta”. Então, tudo que a gente fazia, se alguém estava fazendo a atividade, tinha que ser um silêncio absoluto. Alguém fez barulho? "Parou, parou. Tem que começar do zero". Porque alguém fez barulho. Todas as brincadeiras para eles entenderem como o set funciona. Então, depois de 45 dias de oficina, eles foram para o set entendendo, mais ou menos, como as coisas funcionavam. Então, é delicado, né? Filmar com crianças você tem que ter um tipo de delicadeza. Por outro lado, para dirigi-los, enquanto diretor, para mim, eu acho que é a melhor coisa que tem, porque você não tem que tratar diferente. Criança não é menos capaz, criança não é burra. Você não precisa ficar “nhenhenhe”, não. Eu falava direto, olho no olho. Falava claro, e eles entram assim (Iberê estala os dedos, sinalizando que as crianças entram no personagem com rapidez). Porque atuar é brincar de faz de conta. E as crianças brincam de faz de conta toda hora e elas acreditam. Quando meu filho era pequenininho, muito pequenininho mesmo, ali, dois, três anos, eu falava: "Eu sou o monstro". No começo, ele gostava daquela brincadeira, daqui a pouco ele saía chorando, agarrava a mãe, acreditando que eu era o monstro. Eu via no olhar dele o terror, o pavor. Porque o monstro ia pegar ele. Eu era o monstro. Então, eu tinha me transformado num monstro de verdade na cabeça dele. As crianças mantêm isso ainda. Os adultos vão perdendo essa capacidade de abstração. Então, é impressionante como as crianças entram numa cena e saem da cena. Se elas entendem o jogo, elas entram no "ação", elas entram, e no "corta", elas saem. E, de boa, e voltam com uma facilidade muito grande. Então, eu adoro dirigir criança. Estou com vários projetos com crianças de protagonista agora. Então, foi muito legal fazer o “Procura-se”.

 

Júlia Rios: Vamos seguir então, agora a gente vai entrar nos longas. Vamos falar do “O Último Cine Drive-in” de 2015, que é um longa de ficção financiado pelo FAC (Fundo de Apoio à Cultura) e pela Petrobrás. De prêmios, recebeu “Melhor Filme”, “Melhor Ator”, “Melhor Atriz Coadjuvante” e “Melhor Direção de Arte” pelo Festival de Cinema de Gramado, também recebeu “Melhor Filme” e “Melhor Ator” pelo Festival Internacional de Punta del Este, no Uruguai. “Melhor filme”, “Melhor Ator”, “Melhor Direção de Arte” e “Melhor Trilha Sonora” pelo Festival Guarnicê de Cinema no Maranhão. Também “Melhor Filme” pelo Júri Popular do Festival Internacional Cine Las Americas nos Estados Unidos. Além de outros prêmios de “Melhor Atriz” e “Melhor Atriz Coadjuvante”. E também foi eleito pela Folha de São Paulo “O Melhor Filme do Ano”.

 

Alan Rios: E para quem não viu o filme ainda, o que você pode falar dele?

 

Iberê Carvalho: Bom, “O Último Cine Drive-in” é um filme muito meigo, muito amoroso, que conta a história de um filho que não vê o pai há muitos anos, mas se vê obrigado a reencontrar o pai quando ele acompanha a mãe para um tratamento médico em Brasília. A mãe está passando por um momento delicado de saúde, o filho vem acompanhando ela para fazer um tratamento aqui no Hospital de Base de Brasília. Já não sei se as pessoas sabem, mas é um dos maiores hospitais públicos da América Latina. E aí esse filho encontra o pai e o pai é o dono do último cinema Drive-In em funcionamento no Brasil. E esse cinema está ameaçado, está ameaçado de extinção, como todos os outros Drive-In sumiram e outros cinemas de rua também. Então, o pai está nessa luta para manter vivo o cinema, enquanto o filho está na luta para manter viva a mãe. E eles vão, na verdade, reviver e fazer reviver a relação deles dois que estava morta, né? Então, é a história de um filho que reencontra o pai ao estar perdendo a mãe. E é a história de um pai que reencontra o filho ao estar perdendo o seu cinema. Eu lembro que a nossa distribuidora, a Vitrine Filmes, a Sylvia Cruz, que é a dona da Vitrine Filmes, ela falou assim: “Ah, ‘O Último Cine Drive-in’ vai ser o nosso primeiro filme argentino que a gente vai distribuir”. (risos) É uma referência, ela sempre achou que o filme tinha uma pegada de um cinema argentino, estilo filmes do Darín. Nesse sentido, ela tinha totalmente razão, porque uma das principais referências do “O Último Cine Drive-in” é “O Filho da Noiva”, que é um filme argentino. E eu acho que é nesse lugar de um filme simples, focado nas relações afetivas, familiares e que procura trazer um final minimamente alentador, de aconchego do ponto de vista emocional. 

 

Alan Rios: E quem assistiu tem algumas cenas preferidas e algumas cenas marcantes. Como você, na direção, consegue identificar o potencial de uma cena?

 

Iberê Carvalho: Bom, acho que tem a ver com essa marcação do roteiro. E eu gosto sempre de fazer um gráfico. A gente está no meu primeiro longa, passar do curta para o longa é um baita de um rito de passagem, é um baita de um desafio. Então, eu senti muita dificuldade… O grande desafio para mim, enquanto diretor, foi o ritmo, como estabelecer esse ritmo ao longo da trama, ao longo da fita. Então, por exemplo, o roteiro, que foi muito premiado, ganhamos Petrobrás, um edital super difícil, Petrobrás sempre foi um edital muito difícil, naquela época ainda mais, eram só dez projetos no Brasil inteiro. Ganhei junto com Anna Muylaert, Beto Brant, uns nomes incríveis, assim. Então, o roteiro foi muito premiado. E o roteiro era muito maior do que o filme que a gente está hoje. No roteiro, a história começa com o protagonista, o Marlombrando, lá em Anápolis, trabalhando. Aí a mãe fica doente, ele é chamado no hospital. Aí o médico fala que talvez ela tenha que ser transferida, porque o hospital lá não funciona. Aí ele não quer vim, não sei quê, mas ela precisa vir, aí ele vem acompanhando ela e eles vêm. Aí chega aqui em Brasília já tinha um monte de coisa. Conseguir ser internada, não conseguir ser internada, fazer o exame. A Mariana Nunes, grande atriz brasileira, uma das melhores atrizes desse país e é daqui de Brasília, ela fez o filme e ela não está no resultado final, porque toda essa primeira parte caiu. E por que toda essa primeira parte caiu? Porque eu acho que eu não consegui estabelecer um ritmo. Eu super valorizei o tempo. Na hora que a gente montou, eu falei: “Tá enfadonho, tá chato, tá demorando para começar. O filme é sobre o que? O filme é sobre o que?” Eu lembro que a gente estava falando do tema central. O filme é sobre essa paternidade. Então, o filme tem que começar e, em menos de cinco minutos de filme, ele tem que encontrar o pai. E ele estava encontrando o pai aos 30 minutos de filme, aos 40 minutos de filme. Não fazia sentido. O filme demorava para começar, eram dois filmes. Aí, num determinado momento, teve essa consciência, esse estalo de consciência e esse desapego de jogar fora uns 30 minutos iniciais do filme, o que representou mais ou menos uma semana de filmagem. Se a gente fosse ver pelo custo do filme, quanto foi isso? Mas era aquilo que estava falando da cadeira. O que você joga fora? Você tem que jogar fora uma parte de madeira, não tem jeito.

 

Júlia Rios: Ok, Iberê. Vamos seguir agora para “O Homem Cordial” de 2019, que é um longa de ficção financiado pelo Núcleo Criativo na ANCINE (Agência Nacional do Cinema), na etapa de desenvolvimento, e depois pelo FAC (Fundo de Apoio à Cultura) e pelo Fundo Setorial do Audiovisual, na etapa de produção. Hoje, ele está disponível no Telecine. E, de prêmios, a gente tem aqui “Melhor Filme” no Barcelona Indie Film Festival na Espanha e no Encontro do Cinema Sul-Americano de Marselha na França. Também recebeu “Melhor Ator” e “Melhor Trilha Sonora” no Festival de Cinema de Gramado e também “Melhor Ator” no Barcelona Indie Film Festival, além de Melhor Projeto no Ambiente de Mercado do Festival de Brasília. Foi selecionado em pelo menos outros 11 festivais, passando pela América do Sul, América do Norte, África, Europa e Ásia.

 

Alan Rios: Conta um pouquinho de “O Homem Cordial” pra quem não viu, por favor, Iberê?

 

Iberê Carvalho: “O Homem Cordial” é um projeto que foi muito desafiador porque a gente filmou em 2018, um pouco antes da eleição, e ele foi estrear em 2023. No meio desse caminho, a gente encontrou dois grandes desafios para lançar o filme. A pandemia, os cinemas fecharam, não era o momento de lançar o filme. Inclusive, a gente teve um prejuízo muito grande em relação aos festivais de cinema também, porque, não sei se as pessoas conhecem o processo de distribuição de um filme, mas para um filme independente, os festivais têm um papel fundamental, porque é a hora que você consegue promovê-lo, gerar olhares, gerar curiosidade em cima dele e logo depois desse circuito de festivais, você chega na sala de cinema. Então, a gente estava indo bem e veio a pandemia no meio desse processo de distribuição para festivais. Tiveram alguns festivais que já tinham pré selecionado o filme e que foram simplesmente cancelados a edição daquele ano, como Milão e outros lugares que a gente ia, pra Rússia, tava louco pra conhecer Moscou. E aí não rolou. Então, foi muito angustiante, mas, depois, quando a gente lançou, foi muito compensador, porque a pré-estreia em São Paulo foi incrível, a gente fez uma pré-estreia no Espaço Itaú da Augusta, nas três salas, lotamos as três salas. Foi muito forte, assim. É um filme que eu filmei também, de novo, com um grande ídolo, que tem o Paulo Miklos como protagonista, e eu lembro de adolescente indo no show dos Titãs aqui em Brasília. Nunca imaginava que eu ia trabalhar com o Paulo e o Paulo virou um grande parceiro, um grande amigo, tenho uma admiração muito grande por ele. E foi minha primeira vez filmando fora de Brasília. Um baita desafio também.

 

Júlia Rios: Entendi. E o que você pode falar pra gente da sua estratégia de direção de atores e do trabalho conjunto com a preparação de elenco? Comentar também se você gosta que a preparação de elenco acompanhe todo o processo, se vai ou não para o set. Como é isso?

 

Iberê Carvalho: Eu adoro trabalhar com preparação de elenco. Não acho que a preparação de elenco está substituindo o trabalho da direção. Eu já ouvi isso tantas vezes: “Ah, os diretores não sabem dirigir elenco, aí tem que contratar alguém para dirigir o elenco”. Não, preparação de elenco não é a direção de elenco, de forma alguma. A boa preparação, a preparação com as pessoas com quem eu costumo trabalhar. Até hoje, eu já tive a experiência de trabalhar com a Amanda Gabriel, que fez “O Último Cine Drive-In” e fez “O Homem Cordial” e gosto muito de trabalhar com a Fernanda Rocha, que também fez, lá atrás, o “Procura-se” e também fez um pouco de preparação em “O Homem Cordial” também, no personagem das crianças em “O Homem Cordial”. O trabalho da Fernanda foi fundamental. A preparação, eu entendo que ela é uma forma de, na fase anterior às filmagens, manter uma agenda de trabalho com o elenco mais intensa do que o diretor é capaz. Eu, por mim, ficava na sala de ensaio com os atores todos os dias que antecedem uma filmagem, mas eu não posso. Eu tenho que fazer visita de locação, eu tenho que decupar o roteiro, eu tenho que trabalhar com o fotógrafo, trabalhar com a direção de arte, aprovar figurino, aprovar maquiagem, eu tenho que ver referências, eu tenho muitas outras coisas pra fazer, além de também estar com o elenco nos ensaios. Na medida que eu não posso estar lá o tempo inteiro, e mesmo se eu pudesse, eu acho que eu teria a preparação de elenco. Mas, à medida que eu não posso estar lá, a preparação de elenco mantém o elenco focado em entender o processo do filme, entender o roteiro e se conhecer enquanto grupo. Fazer esse trabalho de se conhecer enquanto grupo. O preparador de elenco, ele tem ferramentas para fazer um trabalho de conexão de grupo muito maior do que eu. E isso para mim é muito legal. E esse grupo não é só o grupo do elenco com elenco, é do elenco comigo, me inserir nesse grupo. Lembra que eu estava falando sobre construir nas crianças do “Procura-se” uma sensação de intimidade e de confiança comigo? Isso também precisa acontecer com os adultos. E isso só foi possível porque a gente tinha uma pessoa pensando essas atividades e esses encontros focada nisso. E esse é o trabalho da preparação. Então, eu gosto muito de trabalhar com a preparação. Eu tenho consciência de que o elenco está num lugar muito vulnerável, de muita exposição, de muita fragilidade, de muita insegurança, muitas vezes. Aquela estrutura toda construída para eles e, de repente: “Silêncio no set, vai câmera”. “Agora vai vocês!” e eles: “eu não posso ir até ali, eu tenho que pisar na marca. Se eu virar para cá, tem não sei quê, tem a luz, tem o foco” eles estão muito inseguros. Então, qualquer função… atualmente, tem uma outra função que eu ainda não trabalhei que é o gerente de intimidade, produtor de intimidade.

 

Júlia Rios: Coordenação de intimidade?

 

Iberê Carvalho: Coordenação de intimidade. Então, eu não trabalhei ainda com uma pessoa assim no set e é muito bom, é muito bom que tenha. Se é para trazer confiança, se é para trazer conforto, vai trazer confiança e segurança para todo mundo, não só para o elenco. Vai trazer também para a direção. Vai trazer até segurança de você saber até onde você pode pedir. Até onde você não pode pedir, o que você pode falar, porque, muitas vezes, pode ser mal interpretado também. Eu sei que tem muita gente babaca aí nesse mundo, abusador, assediador e etc. Mas, às vezes, eu posso me expressar mal e ser mal interpretado, porque a pessoa está numa situação de vulnerabilidade, eu estou numa situação de poder e de precisar dirigir uma cena. Posso ser mal interpretado e aquilo virar uma... Então, se você tem uma coordenação de intimidade no meio do processo para afinar essas arestas, é mais seguro para todo mundo. Então, acho que é isso, assim, tudo o que você puder fazer para o filme ficar bom, tira o ego da frente. “Ah, mas não foi você que dirigiu, foi a preparação de elenco que dirigiu”. Ficou bom? Ficou. Então, meu amigo, não estou preocupado. O filme ficou bom. Eu estou aqui para fazer um filme bom. Não estou aqui para dizer que eu sou um bom diretor. Eu estava para dizer que era um bom diretor quando fui fazer o “Para Pedir Perdão”. Ali, a minha preocupação era dizer para todo mundo que eu era um bom diretor. (risos) Agora eu quero fazer filme bom, entendeu?

 

Júlia Rios: Muito legal, Iberê. Agora a gente queria saber da etapa mais final, porque a gente falou muito desse começo. A gente queria falar da distribuição. Como é o relacionamento com as distribuidoras? Porque “O Último Cine Drive-In” foi distribuído pela Vitrine Filmes e “O Homem Cordial” foi pela O2 Play. Como é esse relacionamento? Se você puder comentar dessa etapa que é super importante também para o processo.

 

Iberê Carvalho: Pois é, nos dois projetos a distribuidora entrou ainda no roteiro. Isso é muito bom quando acontece, porque você começa um diálogo lá atrás e a distribuidora vai entendendo para que lado o filme está indo e qual tipo de público ela pode conseguir alcançar. Mas é sempre um grande desafio para todo mundo, para a distribuidora, para a produtora. Porque é sempre muito difícil vender o filme, está cada vez mais difícil vender um filme brasileiro no cinema. A gente tem uma agência reguladora, mas que não regula o parque exibidor. É fundamental que a gente comece a regular nosso parque exibidor. Não faz sentido que o mesmo filme possa ocupar quase todos os cinemas de um multiplex. Não estou aqui falando de cercear o direito do consumidor de ver o “Vingadores” da vez, ou o filme que for. Eu acho que as pessoas têm o direito de ver o filme que elas querem ver. Mas, hoje em dia, a gente não tem o direito de ver o filme que quer ver. Às vezes, eles impõem, 90% das salas do Brasil estão com o mesmo filme. Isso não é liberdade. Isso é imposição de mercado. Daqui a pouco eu volto na sua pergunta, mas é porque é importante falar disso. É uma imposição que não é para atingir todo mundo que quer ver o filme. Os estudos mostram que, se aquele filme que tá ocupando 96% das salas, isso já aconteceu, tá? 96% das salas no Brasil, mesmo filme. O filme que ocupa 96% das salas, ele não vai alcançar um público maior se ele tiver em 50% das salas. Ele só vai alcançar esse público mais rápido e eliminar a concorrência. Se ele tiver em 50% das salas, todo mundo que quer ver aquele filme vai conseguir ver aquele filme. Então, é uma atitude mesmo de ataque, é uma atitude de monopólio mesmo, uma atitude agressiva de mercado. E a gente tinha que ter uma regulação, como muitos países têm de não deixar que isso aconteça. Você poderia ter uma regulação que diz assim: “Para multiplex que tem mais de quatro salas, o mesmo filme não pode ocupar mais de 50% dessas salas”. Então, você vai, obrigatoriamente, oferecer uma oferta. O filme da vez, o blockbuster da vez, vai estar disponível lá, em duas, três salas. Mas você vai ter outras ofertas também para quem quer ver outra coisa. Imagina se você quer sair um dia para fazer um date e todos os restaurantes estão vendendo só hambúrguer? “Não, mas hoje eu quero comer pizza, hoje eu quero comer um árabe, hoje eu quero comer um filé, hoje eu quero comer feijoada”. Não, só tem hambúrguer, todos os restaurantes só estão vendendo hambúrguer. É mais ou menos o que a gente vive no cinema de tempos em tempos. Então, a distribuição é sempre um desafio. Mas com “O Homem Cordial” a gente teve até uma boa distribuição, assim. Ficamos lá em São Paulo nos principais cinemas, durante seis semanas, no horário nobre. De 21h, 21h30 nos principais cinemas de rua, né? Itaú, Belas Artes, Marquise, Cinesesc, cinemas bons ali daquela região central, perto da Paulista. Mas é sempre um desafio vender um filme. E a relação com as distribuidoras, ela é uma relação de venda, não é mais tanto de direção. Aí entra o produtor, o diretor sai de cena e o Iberê produtor entra em cena para discutir como é que a gente vai fazer esse filme chegar nas pessoas. Mas não tem muito mais definições de direção. No máximo, uma coisa de cartaz, não sei o quê, às vezes, as distribuidoras querem mudar o cartaz porque acham que o cartaz não vende tanto. É sempre um debate. Às vezes querem mudar o título. Porque aí mudou, já não é mais propriamente cinema, mas aí já vira marketing, vendas, publicidade. Como empacotar o seu produto para ele chegar no público.

[Música Instrumental]

 

Alan Rios: Iberê, infelizmente, a gente está chegando ao final dessa nossa conversa, que a gente está gostando bastante, e a gente trouxe aqui algumas perguntas de bate e volta, aquelas perguntas que a gente vai pedir algumas respostas mais rápidas para a gente conseguir fazer vários questionamentos diferentes para quem está acompanhando conseguir várias respostas suas. Podemos começar?

 

Júlia Rios: Vamos lá.

 

Alan Rios: Vamos lá. Iberê, primeiro a gente quer perguntar que livro que você recomenda sobre direção?

 

Iberê Carvalho: É a Bíblia do cinema, eu acho que tem que ler, que é o “Esculpir o Tempo”, do Tarkovski. Quem não leu, tem que ler. Quem leu, tem que ler de novo. Estou até relendo, é um livraço.

 

Júlia Rios: E que filme que já existe que você queria ter feito?

 

Iberê Carvalho: Eu queria ter feito “O Lutador”, do Aronofsky, aquele com o Mickey Rourke. Eu acho um filmaço.

 

Alan Rios: E que filme, ou então que filmes do DF que te marcaram?

 

Iberê Carvalho: “A Concepção”, do Zé Eduardo Belmonte, é um filme que me marcou pela inventividade. O “Branco Sai, Preto Fica” é um filme também que chega com o pé na porta, do Adirley Queirós.

 

Júlia Rios: E que cineasta do DF você citaria como se fosse uma homenagem para essa pessoa?

 

Iberê Carvalho: Eu gostaria de fazer uma homenagem ao Marcio Curi, produtor, diretor, que morreu. Foi a pessoa que me abriu as portas pro cinema aqui em Brasília. Ele que me colocou pela primeira vez num set de filmagem profissional no filme “As Vidas de Maria”, do Renato Barbieri, em 2000. E o Marcio Curi, se eu não me engano, ele da Asa, Asa Cinema e Vídeo era o nome da produtora dele. Ele era sócio da Carla Gomide. O Marcio, ele deve ter feito mais de 40 longas metragens como produtor e já mais próximo da sua morte, ele voltou a dirigir, dirigiu uns filmes, fez um filme chamado “A Última Estação”. Eu acho que eu citaria o Marcio Curi pela importância que ele teve no cinema brasiliense, porque ele foi produtor dos primeiros curtas do Zé Eduardo Belmonte, foi produtor dos primeiros curtas do René Sampaio, foi produtor de filmes do Joel Zito Araújo, do João Pedro de Andrade, foi produtor de tanta gente, ele introduziu tanta gente no cinema de Brasília, que a importância do Marcio Curi para o cinema de Brasília, ela é imensurável, eu diria.

 

Alan Rios: Então, fica aqui essa homenagem.

 

Iberê Carvalho: Era pra ser curta, mas não teve como. (risos)

 

Alan Rios: Mas essa foi a última pergunta, está tudo bem, desse bate e volta que a gente encerra, mas não encerra ainda o podcast, porque a forma que a gente escolheu pra encerrar o podcast é fazer algo que dialogasse cada episódio um com o outro. E a forma que a gente encontrou para fazer isso foi com que os nossos próprios entrevistados fizessem perguntas e respondessem as perguntas deles mesmos. Então, a gente tem uma pergunta aqui pra você de uma pessoa que a gente já conversou, né, Júlia?

 

Júlia Rios: Isso. A gente tem uma pergunta da Dácia Ibiapina.

 

Iberê Carvalho: Olha, a Dácia, querida Dácia.

 

Júlia Rios: Ela quer saber quais filmes você está fazendo agora, quais projetos você está tocando e o que é que está mexendo com você pra você fazer qual tipo de filme?

 

Iberê Carvalho: Uau! Bela pergunta, Dácia. (risos) Obrigado pela pergunta. Porque a gente falou muito do passado aqui, uma oportunidade de falar um pouquinho do futuro. Então, eu tenho um próximo projeto que eu vou filmar aqui Brasília chamado “O Menino que não Existia”. É um roteiro do Gabriel Quadros, um roteirista lá de São Paulo muito talentoso. Vai ser uma produção da O2 Filmes, do Fernando Meirelles. É um projeto com orçamento muito mais robusto do que os projetos que eu já fiz, então vai ser um grande desafio também. Ele é um thriller social e político, um pouco na linha do “O Homem Cordial”, que remete um pouco também a lá atrás, ao “Suicídio Cidadão”, então, um pouco nessa linha. E, Dácia, eu também tô escrevendo um projeto novo, chamado “Carga Viva”. É um projeto que eu tô escrevendo junto com o ator Giovanni Venturini e o “Carga Viva” já se já se assemelha um pouco mais ao Drive-In porque tem a ver com paternidade, é um road movie muito meigo e que fala sobre relação pai e filho. Enfim, esses são os dois projetos que eu estou envolvido, em etapas muito diferentes, porque um eu já vou, daqui a pouco, entrar na pré, que é “O Menino que não Existia”, o outro está em fase de desenvolvimento e tem outros projetos, como, por exemplo, eu tenho o projeto da biografia da Fafá de Belém. Eu sou um dos diretores da biografia da Fafá de Belém que a gente está levantando dinheiro. Então, o que está me movendo é fazer cinema, Dácia. O sonho ainda é viver disso.

 

Alan Rios: Perfeito.

 

Júlia Rios: Maravilha. E aí, queria pedir pra você deixar uma pergunta pro próximo entrevistado.

 

Iberê Carvalho: Ah, eu acho que eu vou passar pra frente a pergunta que a Dácia me fez e quero saber quais são os próximos projetos, o que está movendo essa pessoa que ela quer fazer no futuro próximo?

 

Júlia Rios: Maravilha!

 

Alan Rios: Agora, Iberê, falando de futuro pra gente encerrar, nós fizemos uma bela entrevista aqui com você por conta das belas respostas que você deu. E eu acho que quem assistir vai ficar curioso pra saber como te acompanhar, como assistir seus próximos projetos. Então, como você divulga seu trabalho? Rede social? Como que as pessoas te acompanham?

 

Iberê Carvalho: Olha, basicamente Instagram, é a única rede social que eu tenho usado ultimamente, @iberecarvalho. Ali eu procuro postar as novidades, as coisas que estão acontecendo e divulgar meu trabalho quando dá.

 

Júlia Rios: Perfeito.

 

Alan Rios: Perfeito. E teve algo que a gente não te perguntou que seria legal pra você comentar aqui para a gente encerrar? 

 

Iberê Carvalho: Acho que não.

 

Alan Rios: A gente falou muito né? (risos)

 

Iberê Carvalho: Não, acho que não. Foi um papo bem gostoso, a gente falou de várias coisas. Foi um prazer enorme reviver essas produções, essas decisões. É sempre muito bom a gente ter um momento para parar e pensar sobre o nosso ofício, sobre aquilo que a gente faz, porque acaba que o nosso dia a dia, ficar correndo atrás do próximo projeto, viabilizar o próximo projeto, correndo atrás do dinheiro pra fazer, cinema é caro. E aí a gente conseguir parar, respirar e conversar sobre o que fez é fundamental. Então, agradeço pelo espaço e tô doido pra escutar o de todo mundo.

 

Alan Rios: A gente que agradece a participação.

 

Júlia Rios: Tô muito feliz, Iberê! É um prazer conversar com você. Tenho certeza também que vai ser um conteúdo muito legal e muito útil pra todo mundo que está assistindo. 

 

Iberê Carvalho: Obrigado. Eu agradeço.

 

[Música Instrumental]

 

Júlia Rios: Este podcast é uma realização da Respiro Filmes, com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal e da Secretaria de Cultura. Com pesquisa, roteiro e apresentação por Júlia Rios e Alan Rios. Direção, captação de áudio, edição e mixagem de som por Luiza Chagas. Produção de Heloísa Schons, captação de imagem por Rômulo Aires da Ada Audiovisual e trilha por Pratanes. Com agradecimento especial à Brasília Film Commission e ao Cine Brasília que nos recebeu.

 

Alan Rios: E muito obrigado por nos escutar. Se você não segue a gente nas redes sociais, já segue lá no Instagram @respiro.filmes e se inscreve no canal do YouTube da Respiro. Obrigado! Até a próxima!

 

Júlia Rios:  Tchau, tchau.

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